Como criar animações com Valor e Propósito
Analisando grandes histórias do mundo da animação, reunimos a seguir algumas reflexões sobre a aposta dos produtores em buscar novas formas de tocar o público. Veja!
Animação não é só coisa pra criança. As produtoras Disney e Pixar são grandes exemplos de como emocionar adultos e crianças com suas obras, explorando esse mercado para a família.
Podemos começar por Toy Story que, em 1995, fez história ao inaugurar a era de filmes de computação gráfica, que emocionam diferentes gerações. O que torna estes filmes quase universais, capazes de agradar todos os tipos de famílias, faixas etárias e sociais, não é só a técnica animada que chama a atenção e encanta. Os filmes animados, por mais que retratem personagens fantásticos, desde sempre buscam trazer questões humanas e universais que começamos a nos fazer na infância e levamos até o fim de nossas vidas. E é por isso que esses filmes são capazes de permanecer nos nossos corações por tanto tempo.
Podemos ver, por exemplo, que o filme Soul, lançado pela Disney/Pixar recentemente, se aventurou em um outro nível de animação. O filme marca a história por levantar questionamentos tão importantes que os adultos devem entender muito mais que as crianças, por emocionar em uma camada mais profunda, sobre virtudes e o significado de nossas existências.
Este movimento de se “espiritualizar”, tem se intensificado cada vez mais em diferentes setores de nossas vidas, nos livros, nos filmes, nas nossas atitudes, e até como compramos. Não à toa, as Marcas, no mundo de contar histórias em animação, também vêm se preocupando mais em somar, em passar seus valores e virtudes, personificado e humanizado no personagem que o representam. E, como todo bom personagem, também erram, tentam e evoluem como todo ser humano, trazendo assim mais verdade, mostrando qual é a verdadeira “alma” do negócio.
(à esquerda) O animador Pete Docter trabalhando em Toy Story (Pixar, 1995), e o diretor Lee Unkrich trabalhando em uma cena de Toy Story 3 (Disney/Pixar, 2010) (à direita).
O filme Soul marca uma evolução da maturidade do mercado e da produtora. Filme do mesmo diretor de Divertidamente (2015), Soul segue a proposta de trazer questões complexas como: o resgate de um sonho esquecido, a aceitação do autoconhecimento, a perda de motivação em tempos nebulosos, a busca de um propósito para nossa vidas, entre outros. E, principalmente, usar a animação como uma metáfora divertida para grandes lições.
Podemos pensar que, enquanto Divertidamente olha para dentro, sobre como funcionam nossas emoções, Soul dá um passo para olhar para fora o que nos afeta por dentro, para o que existe antes e além do eu. Ao mesmo tempo, sobre o quão frágil a vida pode ser desperdiçada em focar em metas / objetivos, quando a vida pede mais calma e o presente, como o filme nos lembra de não esquecer de parar para apreciar uma boa pizza ou uma boa música.
As animações infantis mais populares saíram do universo de fábulas, princesas e castelos distantes – muitas vezes bem moralistas – passando por universos fantásticos e divertidos, agora carregados com questionamentos universais mais complexos como o que é vida e morte, real e fantástico, qual é o nosso propósito. Ao mesmo tempo, evoluiu para conseguir abordar histórias em um envolvente arco dramático, que transportam o telespectador para ambientes tão abstratos e vibrantes como há gerações visualizamos junto com o conceito de alma.
Propósito é a palavra chave para essa evolução da animação. Soul traz esse olhar mais universal, de buscar significado por trás das coisas, de se apaixonar novamente pela vida. Descobrimos que não vale viver apenas atrás de um único sonho, é o caminho que nos move, inspira, e viver é o caminho que faz a vida valer a pena.
Os personagens translúcidos de Soul (Disney/Pixar, 2021), que representam suas “almas”.
O grande mestre Miyazaki (Diretor de filmes como “A Viagem de Chihiro” e “Princesa Mononoke”) já trazia isso com naturalidade. Isso vem de uma cultura oriental de aceitar o espírito, que está no universo, na natureza, e que deve ser sentida e respeitada. Existe um respeito natural pela natureza e seu equilíbrio, entender que as coisas não dependem somente de você. Somos como gotas em um grande oceano, mas que fazendo parte deste todo, somos o oceano. E as animações do cineasta japonês Hayao Miyazaki trazem mundos fantásticos que parecem acontecer no mundo etéreo, e não físico. Do sentimento, da criação. São carregados de espiritualidade na natureza e nas coisas cotidianas, como um momento no trem sem dizer nada, a alegria de fazer novos amigos, aquele segundo para respirar fundo e tomar coragem antes de enfrentar um novo desafio. Pequenos detalhes que mostram a vida como ela é. E porque ela é fantástica.
Cenas do trem em “A Viagem de Chihiro” (Studio Ghibli, 2001), que mostra uma situação cotidiana com elementos etéreos e fantásticos, carregado de metáforas.
De forma sutil, o curta “O Voo do Impossível”(2020), que a Mono Animation realizou para a Embraer, mostra essa relação de amizade de Ozires que persiste mesmo após a morte de seu amigo Zico. Ozires, de forma sensível, sente os sinais do vento e os interpreta como a ajuda de seu amigo. É possível que a amizade verdadeira, em um um sentimento de cumplicidade, invisível aos olhos, permanece acesa após a morte? E que o sentimento puro teria permissão do universo para continuar ajudar seu amigo a conquistar seu sonho em terra? Para quê o universo nos permitiria tamanha virtude? É disso que se trata de contarmos história humana. Como ser humano. A busca de ‘ser’, e não do ‘ter’. É o personagem atribuindo suas conquistas a um ideal nobre. Evoluir. E motivar a continuar a sonhar e perseguir o seu sonho, até que finalmente se concretize.
Pegando emprestado essas grandes referências da cinematografia, realizar animações com propósito é um desafio que toca o conhecimento em questões além da técnica. Não basta só ter grande conhecimento de roteiro, storytelling, animação. É preciso encontrar o propósito da mensagem, os valores que precisamos passar e a emoção por trás de tudo isso, que nos move.
Cena do filme “O Voo do Impossível”(Embraer/MonoAnimation, 2021) mostrando a história real de Osires e Zico e seu sonho em construir aviões no Brasil.
Realmente, a animação não é só para criança. Mas não é de hoje que temos a sensação que nossas crianças estão chegando mais prontas, mais conscientes, dotadas de esclarecimentos de trazer um mundo melhor. Em que momento as questões humanas devem ser trazidas para discussão com as crianças? Somado à velocidade com que acessam todo tipo de informação, os pensamentos reflexivos e críticos se aceleram naturalmente. O quanto subestimamos ou devemos superestimar essa imersão a elas?
O que as crianças e a animação falam em comum é a curiosidade pelo que vemos e o que não vemos (mas sentimos). É a reflexão das grandes questões existenciais que sonhamos, e não devemos parar de sonhar jamais quando crescemos. Devemos aprender sempre com o novo quando crescemos, e resgatar de onde viemos. Mais do que encontrar respostas, é sobre admirar a beleza de um universo tão complexo e lembrar que viver é fantástico. 🙂
Leia mais:
Uol Cultura: “Animação da Disney Soul reflete sobre a urgencia da leveza”
El Pais: “Soul e Wolfwalkers – animação rica e animação pobre”
Change.org: “Walt Disney stop dehumanizes black characters”
Entretenimento Uol – “O tempo de tela dos personagens negros nas animacoes da disney”
The guardian: “Toy Story 3: How Pixar Changed the Animation”
Time: “20 years toy story Pixar”
How Pixar’s Animation Has Evolved Over 24 Years, From ‘Toy Story’ To ‘Toy Story 4’ | Movies Insider – https://www.youtube.com/watch?v=qTPKGVrFtQU
Hayao Miyazaki – A Importância do Vazio – https://www.youtube.com/watch?v=Kyp3YV2t0gQ
Ave Lola: “A Poesia e o Vazio na obra de Hayao Miyazaki”
STUDIO GHIBLI E HAYAO MIYAZAKI: A HISTÓRIA DE UMA LENDA | Retrato Omelete – https://www.youtube.com/watch?v=e5UGsVhYkC8