Estúdios Disney – Como a empresa mantém o Encanto por todo esse tempo?
Quando pensamos em Disney, pensamos em princesas, magia, animais que falam, canções icônicas e um branding extraordinariamente bem sucedido. Uns dizem que foi a inovação tecnológica que alavancou a empresa, outros confiam na originalidade e genialidade das histórias contadas. Qual é, portanto, o principal legado construído pelas animações da Disney?
Principais filmes e seu impacto mundial
Os estúdios Disney chegaram ao seu 60º longa-metragem, Encanto, ganhador do 79º Globo de Ouro na categoria de Melhor Longa de Animação, mantendo o império construído por Walt Disney. Analisando algumas tendências dos estúdios ao longo do tempo, trouxemos algumas reflexões em relação à diversidade de personagens, culturas e inovações tecnológicas que a empresa trouxe.
Em 1937, Walt Disney lança o primeiro longa animado e colorido, o “Branca de Neve e os Sete Anões”. Nessa época, a animação era, até então, de curta duração e em preto e branco. O filme supera todas as expectativas sobre a animação da época, dado a tecnologia desenvolvida para a produção do filme e sua qualidade. Esta Era de animações da Disney serviram como fonte de inspiração para outras animações ao redor do mundo, que passaram a reproduzir a mesma técnica utilizada para o filme. Por exemplo, a primeira animação em cores do Japão, The Tale of the White Serpent do estúdio Toei Animation, que assume a técnica de animação muito semelhante a dos estúdios Disney alguns anos após o lançamento de Branca de Neve, em 1958. O filme também foi muito importante para mostrar que o público tinha “paciência” para assistir um longo metragem animado, que era uma dúvida na época. Até então, apenas animações curtas passavam nos cinemas, como o Gato Felix e Betty Boop.
A direita, frame do longa “Branca de Neve e os Sete Anões” e a esquerda frame do filme The Tale of the White Serpent. Podemos perceber algumas semelhanças no traço e nas cores.
O império nem sempre manteve estável a sua qualidade e apreço pelo público. As épocas consideradas mais conturbadas para os estúdios Disney foram durante a 2ºGM, quando foi produzido a animação “Saludos amigos”, e as décadas de 70 e 80 quando “Ursinho Pooh” e “Robin Hood” foram lançados. Em épocas de crise no estúdio, apostaram na produção de filmes no qual as protagonistas eram princesas. Esses filmes foram o que garantiram maior retorno financeiro aos estúdios, como foi o caso de Cinderela, Bela Adormecida e A Pequena Sereia.
Essas produções passaram a ser mais recorrentes e menos como “fundo de garantia” para o estúdio. Virou um negócio sério e transformou a marca. Além das bilheterias crescerem com os lançamentos das icônicas “princesas da Disney”, o branding também cresceu significativamente. Com o passar do tempo, as características das protagonistas foram se transformando, adaptando-se à época. É nítida a forma como as princesas da Disney representam a marca e por isso vemos todo o cuidado com a produção, lançamento e distribuição desses filmes. Tudo que permeia o universo das princesas, sejam coadjuvantes, vilões, bichinhos e canções, reverbera globalmente no mercado de branding.
Lojas de brinquedos dos personagens da Disney. Vemos que, além dos brinquedos, há também uma comercialização de acessórios, na imagem pingentes usada em pulseiras de marca.
O olhar visionário do Estúdio de criar conteúdo olhando o mercado mundial não é de agora. Muitas animações da Disney foram inspiradas em contos e histórias de países diferentes, adicionando à magia de universalidade, a fim também de atrair cada vez mais consumidores de todo o mundo. A Era da Renascença das animações da Disney, que permeia a década de 90, une um pouquinho de cada aspecto venerado pelos consumidores fiéis e que servem até hoje como fonte de inspiração para outras animações ao redor do mundo. Foi a época dos grandes lançamentos como Rei Leão, Pocahontas, Aladdin, Mulan, entre outros, quando os estúdios estavam testando novas tecnologias, como o 3D, e novos tipos de narrativas, que foi virar uma técnica com mercado consolidado anos depois.
Representação cultural
Com o passar dos anos, as animações da Disney foram gradualmente representando com maior dimensão culturas de países diversos. Levando em conta sua popularidade mundial – cada filme poderia apresentar um outro universo fantástico e uma outra cultura específica de cada país. Ainda que seja predominante, na sua filmografia, filmes sobre contos norte americanos. Nos filmes mais recentes, os grandes lançamentos da Disney tendem a exibir ambientes culturais menos convencionais, como o caso de “Moana”, “Raya e o Último Dragão“, e recentemente “Encanto”. Alguns filmes dos estúdios da Pixar como “Viva: a vida é uma festa” e “Luca” também contribuem para essa representação cultural no mundo Disney.
Mas sabemos que a representação de culturas nas telas pode se tornar um assunto polêmico, principalmente quando a representação fica somente nos estereótipos. A animação de 1998, “Mulan”, foi um dos casos no qual a representação de alguns aspectos estereotipados da cultura chinesa não foram muito bem recebidos pelo público chinês e, por conta disso, acabaram perdendo uma boa parcela de audiência na China.
Ou mesmo em Dumbo, em que alguns personagens corvos refletem uma atitude racista de estereotipar as pessoas negras. O líder do grupo de corvos é chamado de Jim Crow (crow significa corvo em inglês), uma referência às chamadas leis de Jim Crow que normatizaram a segregação racial pública no sul dos Estados Unidos.
A jovem artista americana Eowyn Smith retratou visualmente alguns dos países em que se passam as animações da Disney e Pixar.
A fim de prevenir esses deslizes durante a produção de um filme, a Disney investe cada vez mais no departamento de pesquisa e cultura, financiando viagens de pesquisa e consulta com especialistas sobre um aspecto cultural específico de algum país. A representação fiel de uma cultura afeta significativamente a complexidade de produção do filme e torna-se por consequência um material de melhor qualidade.
Às vezes é comum trazer alguns estereótipos mas a magia está nos pequenos detalhes – existem detalhes muito típicos de cada região que só uma pessoa que é inserida neste contexto cultural consegue entender. Por exemplo, no longa “Viva: a vida é uma festa” aparecem como figurantes similares a algumas personalidades famosas da cultura mexicana: como o ícone do cinema mexicano, Cantinflas, assim como Pedro Infante, cantor e ator do cinema mexicano e María Félix, também atriz do cinema mexicano. Somado à busca de representatividade na mídia, “Encanto” chega como o primeiro grande lançamento da Walt Disney Pictures que se passa dentro da cultura latino americana.
Imagens tiradas na viagem de pesquisa da equipe de produção do filme “Moana” em comunidades das Ilhas do Pacífico, local no qual o filme se baseia.
O papel da Disney Pixar na inclusão e representatividade
A responsabilidade do estúdio em trazer histórias com mais representatividade e diversidade afloraram após o sucesso dos lançamentos de “Viva: a vida é uma festa” em 2017 e “Soul” em 2020. Na plataforma de streaming Disney+ lançada em 2019, tem sido exibido conteúdo exclusivo até um pouco mais diferenciado do que vemos nas telas. A série Sparkshorts produzida pela Disney Pixar carrega uma proposta de lançar curtas metragens produzidos e dirigidos pelos animadores do estúdio, como se fosse um trabalho “interno”, que dá mais liberdade para criarem qualquer tema que quiserem.
Neles, as narrativas abordam temas mais maduros e abstratos, com um toque de fantasia, e para todos os públicos. A presença da diversidade nesses curtas também é algo que complementa a animação e torna a série tão memorável. Personagens que são de diferentes etnias mas que compartilham situações reais e universais. A plataforma de streaming disponibiliza também todo making of da da série, mostrando o processo de produção, pesquisa social e soluções tecnológicas para o visual do filme expondo as opiniões dos animadores e suas motivações para produção de cada filme. Estes “experimentos” que a série traz sobre trazer personagens e culturas cada vez mais únicas e diversas, prepara o público para filmes mais abrangentes e experimenta o mercado, no sentido de entender o que pode agradar mais.
À esquerda, Loop é sobre uma criança com um espectro de autismo no qual a impossibilita de se comunicar como as outras crianças e Float, à direita, é sobre o pai de uma criança que voa, sendo ela diferente de todas as outras, uma possível metáfora para os estrangeiros em um novo país.
Identificação com os personagens
Não podemos deixar de mencionar toda contribuição tecnológica que foi desenvolvida nas produções para o mundo da animação, como desenvolvimento de softwares específicos para cada tipo de render. Por exemplo, “difusão de luzes”, desenvolvido na produção de “Viva: A Vida é uma Festa”, e “cabelo”, desenvolvida na produção de “Valente”. Por fim, as histórias da Disney marcaram gerações com as suas histórias fantásticas e cheias de magia. Com o tempo temos visto uma mudança na forma como a empresa representa diversidade e a inclusão faz cada vez mais parte das narrativas. É muito importante vermos a iniciativa de grandes empresas trabalharem com mais naturalidade e responsabilidade a questão da representatividade e como ela pode repercutir positivamente no mercado e para o público consumidor.
Soul e Encanto são uma reparação histórica à cultura negra. Após demorar tanto tempo para lançarem histórias com personagens negros ou trazerem personagens estereotipados em suas animações, o estúdio aprendeu com seus erros. Ao invés de lançar filmes com uma diversidade “forçada”, podemos observar como a Disney se compromete a mergulhar em diversas culturas e conhecer suas histórias, para contá-las com naturalidade.
Assim como a Disney e tantos outros estúdios que apresentam essa responsabilidade vanguardista, devemos buscar fazer histórias sem medo de quebrar paradigmas, para que a nossa arte continue desempenhando um papel importante na civilização humana. Nosso planeta é muito vasto e diverso, e a animação nos permite contar histórias sem limites para a imaginação. Porém, o que realmente faz o público se encantar com as histórias é a identificação com os personagens – eles precisam errar, ter defeitos, falhar em sua missão. Principalmente, também vir do mesmo lugar que nós, ter famílias parecidas, enfrentar dificuldades como as nossas. Além de nos inspirarmos com o trabalho de grandes produtoras, é preciso também estar atento aos mínimos detalhes do dia a dia, que nos tornam quem realmente somos.
Saiba mais:
TAKE A LOOK BEHIND THE SCENES OF MOANA AND 5 YEARS OF CULTURAL RESEARCH
Golden Globes: ‘Encanto’ Named Best Animated Feature At Untelevised Ceremony
In Pixar’s ‘Brave,’ New Software Adds Rich Detail
Disney lança coleção de joias da marca Pandora inspirada em suas princesas
Disney Animation Film Eras Explained (2021 Update)
What We Do – Disney Animation Studios
Filmmaking Process – Disney Animation Studios
Endeavor: Jeito Disney de Encantar Clientes – 5 lições
Cosmonerd: Lista Encanto e a Diversidade Nas Animações Disney