Como a Inteligência Artificial afeta a indústria de animação?
Se existe um assunto que se tornou febre e bastante presente no imaginário popular é “Inteligência Artificial”. Do ChatGPT a aplicativos que geram imagens em questão de segundos, as tecnologias que utilizam aprendizado de máquina para gerar resultados vem causando bastante receio de criativos por todo o mundo.
A produção de animação envolve muitas equipes relacionadas a diferentes processos de produção criativa e muitos deles vêm sofrendo com o medo voltado à precarização do trabalho e apropriação de sua arte sem consentimento, uma vez que operam a partir de dados, contando com um banco de dados com diversas imagens. Desta forma, estes softwares são capazes de gerar conteúdos a partir do que já foi visto e criado (além de obras com autoria registrada em alguns casos), limitando a sua capacidade de criatividade.
Da escrita dos roteiros à criação de artes conceituais, animação e gravação de vozes, há Inteligências Artificiais que desempenham o papel de cada profissional e nos faz questionar: os humanos serão substituídos intelectualmente pelas máquinas até mesmo através do que julgamos ser inerentemente característica exclusiva da humanidade, como a criatividade?
COMO FICAM OS ARTISTAS?
Antes de responder essa pergunta, é importante esclarecer algumas etapas da produção de um vídeo animado a partir de um ponto de vista geral. Quando contamos uma história, é muito importante que escritores estejam envolvidos no projeto – sobretudo para roteirizar o conteúdo de forma sistemática. Uma vez que temos IAs que geram textos em questões de segundos, surgiram casos em que muitos exploram a ferramenta para escrever roteiros prontos e reduzir o custo com mão de obra – como por exemplo, o pagamento de roteiristas para adaptarem um trabalho já escrito pela tecnologia.
A partir do roteiro, como qualquer projeto de animação, uma equipe de pré-produção se dedica a criar o design dos personagens e outros elementos do filme. A partir daí entra outra etapa que é importante para a definição do estilo que se busca na versão final: Os chamados ‘pencil test’, em que a equipe de animação explora o movimento de personagens e outros elementos de forma coerente com a visão criativa do projeto.
Como uma estratégia de facilitar o processo de criação e manipulação desses resultados, a utilização de IAs geradoras de imagens (como o Midjourney e o DALL-E) podem colaborar neste processo, uma vez que são carregados de soluções criativas a partir de um simples texto que se transforma em ilustração, como conceituado no modelo Stable Diffusion.
Por outro lado, atores de voz também correm o risco de terem seus trabalhos prejudicados por IA em razão das novas tecnologias que são capazes de criar e reproduzir vozes de pessoas conhecidas a partir de um texto. A partir disso, a produção da voz de um mesmo personagem pode ser realizada sem a participação de um ator ou suas falas podem ser traduzidas em diversas outras línguas, dispensando a necessidade de contratar dubladores, por exemplo.
Até mesmo a produção de animação vem sendo possível a partir dos modelos de IA de texto para imagens, que podem funcionar a partir de um material pré gravado ou geradas completamente do zero. Neste sentido, é possível desenvolver quase todas as etapas de produção a partir dos softwares geradores disponíveis no mercado, que podem ser utilizados como uma estratégia de reduzir os custos com mão de obra especializada ao mesmo tempo que pode servir como ferramenta para aprimorar o trabalho humano.
Porém, um assunto que se estende para além da forma como a tecnologia é utilizada está relacionado aos direitos autorais das obras criadas artificialmente, bem como a falta de consentimento a respeito do uso de fotografias, imagens e artes.
COMO ESTÁ A REGULAÇÃO DA TECNOLOGIA?
De um ponto de vista geral, a tecnologia evolui mais rápido que a jurisdição a respeito delas. A partir deste ponto de vista, vemos governos de todo o mundo buscarem abordar estes assuntos e conquistar alguns resultados a favor da regulação.
A marcante greve dos roteiristas de Hollywood teve como um de seus pilares a regulação de inteligências artificiais a fim de evitar a precarização de seu trabalho em acordo com as produtoras, o que indica um passo muito importante a favor da imposição de regras sobre o uso da tecnologia em outros contextos. Ao final do acordo sobre o fim da greve, foram definidos:
- IAs não podem ser usadas como material fonte, bem como está impedida a escrita e reescrita de roteiros por humanos a partir da tecnologia.
- Os roteiristas podem utilizar a IA como ferramenta em seu processo de escrita, mas não podem ser obrigados a utilizar a tecnologia a pedido da empresa contratante. Além disso, os estúdios devem alertar o sindicato quando a tecnologia é utilizada para incorporar algum trabalho.
- Textos escritos exclusivamente por IA não são capazes de receber direitos autorais.
O último tópico acordado pode ter sido influenciado por decisão recente do Escritório de Direitos Autorais dos EUA (Em tradução livre), em que foi definido que conteúdos produzidos exclusivamente por máquinas não possuem direitos de autoria garantidos. O posicionamento da instituição tem implicações para as batalhas jurídicas em curso que envolvem empresas de IA que treinam os seus sistemas em material protegido por direitos de autor e esclarece que as obras assistidas por IA podem ser elegíveis para proteção se um ser humano desempenhar um papel suficientemente criativo na sua criação.
Karla Ortiz é uma artista plástica muito famosa pelo seu trabalho de criação de arte conceitual para filmes da Marvel, tal qual Dr. Estranho no Multiverso da Loucura (2022). Ela recebeu grande destaque por suas artes com formas realistas e conteúdos fantásticos, despertando interesse de muitas pessoas que desejam criar artes parecidas com seu trabalho através de IA. A partir destes fatos, a artista abriu um processo legal contra a Stability AI e o Deviant Art a respeito do desenvolvimento de softwares capazes de gerar imagens através da tecnologia chamada Stable Diffusion.
A artista alega que suas artes são roubadas ao serem utilizadas sem o seu consentimento para a criação de artes por meio da tecnologia desenvolvida por essas companhias. Estas últimas, por sua vez, alegam fazer uso justo destas imagens, ou seja, não violam condições de direitos autorais dos trabalhos criativos que foram treinados pelas máquinas.
Ainda não tivemos um resultado definitivo a respeito da alegação sobre roubo de artes pelas empresas de tecnologia, mas movimentos recentes se direcionam para a limitação da garantia de direitos para “conteúdos criativos” desenvolvidos por máquinas.
O QUE ESPERAR PARA O FUTURO?
Muitas outras áreas profissionais também vêm sofrendo com o desenvolvimento das tecnologias de IA além do setor de animação, como trabalhos voltados à tecnologia da informação e marketing. Porém, a tendência que se busca é utilizar os conteúdos produzidos por aprendizado de máquina como ferramentas nos processos de criação e elaboração de tarefas de maneira a complementar o intelecto humano, uma vez que poucos concordam e desejam que as máquinas substituam o nosso trabalho completamente.
O diretor da Dreamworks Animation, Jeff Katzenberg, fez uma entrevista ao Bloomberg New Economy e revelou uma opinião alarmante: em 3 anos as IAs substituirão 90% da força criativa de trabalho em um longa-metragem de animação, além de reduzir consideravelmente o tempo de produção, Segundo ele, acredita que a indústria de animação será a mais afetada por esse tipo de tecnologia entre as demais indústrias criativas de entretenimento.
Apesar dessa perspectiva negativa a respeito dessas mudanças, há profissionais que acreditam que a IA permitirá que estúdios menores e independentes de animação sejam capazes de produzir filmes tão complexos quanto os produzidos por produtoras maiores, abordando um aspecto mais otimista sobre a tecnologia.
Por mais que diversos pontos de vista sejam apresentados, ainda não é possível prever os efeitos dessa mudança a curto e longo prazo . Ainda há um grande desafio a ser enfrentado a respeito do ponto de vista ético por trás da exploração de propriedade intelectual, que sugere ainda mais debates da comunidade e legisladores por todo o mundo. O que entendemos ser possível, pelo menos por enquanto, é buscar assumir e experimentar a IA de maneira colaborativa ao que desejamos desenvolver, com propósito e cuidado quanto a sua originalidade, para que esta “parceria” possa impulsionar, ao invés de danificar as criações humanas.
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