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Mulheres na História da Animação

É muito importante enaltecer e dar visibilidade as mulheres no mercado audiovisual e, não é diferente na animação.

Mesmo com o fácil acesso a todo tipo de conteúdo na mídia, ainda falta informação sobre as mulheres no mercado da animação. Afinal, como têm sido suas conquistas e busca de ascensão?

A escalada das mulheres para alcançar uma notoriedade no mercado da animação não foi fácil. No início da ascensão das animações nas telas no ocidente, na década de 30, os escritórios dos principais estúdios de animação estavam a todo vapor. O processo de animação na época incluía etapas da produção que exigiam trabalho manual árduo, muita prática e condições sanitárias inadequadas (desconhecidas até então). Este era o caso do departamento de “Ink and Paint” dos grandes estúdios, o único departamento da época que admitia mulheres para trabalho. Seu trabalho era ajustar o traço dos animadores e pintar as cenas frame a frame com tintas específicas para celulóide. Hoje se sabe que as tintas usadas na época continham componentes tóxicos à saúde daqueles que o manipulavam. Por mais que o trabalho fosse duro e pouco remunerado, as mulheres que trabalhavam nesse setor se sentiam privilegiadas em estar trabalhando em uma área até então predominantemente masculina.

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Ao lado exemplo de carta recebida por uma mulher que buscava emprego nas produções Disney, para o filme Branca de Neve (1937). 

“Querida Senhorita Ford, Sua carta foi recebida em nosso Departamento de Arte-Final e Coloração para resposta.

Mulheres não fazem nenhum trabalho criativo relacionado à preparação dos desenhos, já que o trabalho é realizado inteiramente por jovens homens. Por essa razão, garotas não são consideradas para a escola de treinamento.

O único trabalho aberto às mulheres consiste em fazer o contorno com tinta dos personagens em folhas de papel e no preenchimento dos traços no verso, conforme instruções.

Para se candidatar às funções de arte-finalista e colorista é necessário comparecer ao estúdio, munida de caneta, tinta e trabalhos feitos em aquarela. Não é aconselhável vir a Hollywood com essa intenção específica em mente, já que são realmente pouquíssimas as vagas disponíveis em comparação ao número de mulheres que se candidatam.

Walt Disney Productions, Ltda.”

Uma das primeiras mulheres a conquistar esse espaço foi a animadora Lilian Friedman, que chegou ao cargo de animadora quando as mulheres só eram permitidas a trabalhar no departamento de “Ink and Paint”. Foi a primeira mulher a conquistar um cargo criativo e a ganhar créditos na tela pelo seu trabalho. Sua promoção foi dada após ser notada pelo diretor e animador James “Shamus” Culhane, que foi provavelmente a primeira pessoa a encorajá-la a subir de cargo. Lilian foi uma das responsáveis por animar os queridos personagens Betty Boop e Popeye. Infelizmente por pressão no ambiente de trabalho e casos de assédio, Lilian Friedman saiu do mercado da animação e nunca mais voltou. 

Enquanto isso, em outras grandes empresas de animação como a Walt Disney Pictures, outras mulheres foram aos poucos – aos poucos mesmo – entrando nos estúdios e participando cada vez mais dos departamentos de criação e animação. É o caso de Bianca Majolie e Sylvia Holland. No início da 2º Guerra Mundial, os homens tiveram que deixar de trabalhar para servir o exército e isso trouxe oportunidade para as mulheres assumirem um papel mais ativo e influente nos estúdios e no mercado. Retta Scott foi uma das mulheres que se destacou na época no lançamento de Bambi (1942), chamando atenção do próprio Walt Disney, o que a levou a ser a primeira mulher a receber créditos de tela na história das animações do estúdio. Até então, nenhuma das mulheres mencionadas acima havia sido creditada nas obras que trabalharam.

Outra mulher que alavancou os estúdios Disney para uma nova era foi a artista Mary Blair, que usava cores fortes e traços simples para criação de storyboards. Seu estilo foi adotado pela empresa como modelo para futuras produções e é aplicado até os dias de hoje. Mary trabalhou como story artist na produção de Alice no País das Maravilhas (1951), Cinderela (1950), Peter Pan (1953), entre outras.

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Concept art feita por Mary Blair para o longa “Alice no País das Maravilhas” (1951)

Mulheres Premiadas

Como nos exemplos acima, as mulheres continuam cada vez mais conquistando o seu lugar no mercado e inspiram outras gerações a fazerem o mesmo. Mulheres que fazem história na animação e contribuem positivamente para uma evolução sem precedentes dentro do ramo. A seguir, listamos algumas mulheres inspiradoras que têm deixado a sua marca em cargos de direção nos últimos anos:

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Em 2021, a Marvel Studios promoveu a argentina Victoria Alonso a “Presidente de pós-produção, efeitos visuais e produção de animação”, um feito grande já que menos de 50% das mulheres no mercado de animação estão presentes em cargos de liderança. Ela possui uma carreira de longa data nos estúdios Marvel e conseguiu alcançar o cargo de presidente no setor. A série “What if?…” (2021) na Disney +, a primeira série animada a fazer parte do Mundo Cinematográfico da Marvel (MCU), conta com a supervisão de Alonso.

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Joanna Quinn é a única diretora mulher dentre 13 concorrentes que concorre ao Prêmio do Oscar 2022 na categoria de Melhor Curta de Animação com o filme “Affairs of the Art” (2021). A animadora britânica de 60 anos contou com uma equipe composta apenas por mulheres para a produção do curta. Formada em artes gráficas, Joanna conta que não conhecia o mundo da animação antes de ganhar o seu primeiro prêmio num festival de animação, mas com o tempo, foi percebendo a falta de presença feminina em cargos de liderança nas produções de filmes e sentiu um chamado para seguir em frente e incentivar mais mulheres para esses universo. 

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A vice-presidente executiva criativa da Sony Pictures, Karen Toliver é a primeira mulher preta a receber o Oscar de Melhor Curta de Animação com a querida  animação “Hair Love” (2019). A premiação foi um marco por ser um dos únicos filmes que trata sobre a cultura do cabelo afro a conseguirem conquistar uma premiação tão importante e influente. Sua carreira conta com experiência em grandes empresas como Walt Disney Pictures e Fox Animation e em 2022 trabalha com a Netflix, como vice-presidente de filmes de animação.

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A chefe executiva do estúdio japonês Studio 4ºC, Eiko Tanaka, é a primeira mulher a abrir um estúdio de animação no Japão. Sua experiência nos estúdios Ghibli como produtora supervisora em sucessos de produções como “Meu amigo Totoro” (1988) e “Serviço de entrega da Kiki” (1989) levou-a comandar o seu próprio estúdio de animação, responsável pela criação das séries “Batman: Gotham Knight” (2008) e o reboot de “Thundercats” (2011).

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“Frozen” (2013) foi o primeiro longa animado a ser dirigido por uma mulher do começo ao fim da produção. Jennifer Lee co-dirigiu um dos maiores sucessos atuais da Walt Disney Pictures, responsável por faturar mais de 1 bilhão de dólares em bilheterias. Precisa de mais? Jennifer tornou-se a mulher mais influente da animação e marcou presença em animação seguintes dos estúdios Disney. Seu feito pode ser considerado um grande marco na história da igualdade de gênero na direção de animação.

Protagonismo Feminino em Animação

A inclusão da presença feminina nas produções de animação, a representatividade e igualdade de gênero também transformaram narrativas e quebraram padrões. Suas experiências e percepções contribuem muito para o enriquecimento de uma obra. Com o tempo, percebemos essa transição de um comportamento mais passivo e previsível das protagonistas femininas – personagens que dependem de uma figura masculina, por exemplo – para uma participação mais ativa e independente nas obras.

Um dos pioneiros em trazer um protagonismo feminino empoderado em suas obras seria o próprio Miyazaki, no qual suas obras mais queridas e rentáveis são protagonizadas por jovens meninas, corajosas e independentes. 

A conscientização sobre a feminilidade e do movimento feminista abriu os horizontes dos criadores e passaram a explorar mais tópicos em filmes com protagonistas femininas, como a aventura, independência, coragem, entre outros. A série Diário de Pilar, produzido pela Mono Animation, é um exemplo de como as personagens femininas na animação são bem aceitas pelo público quando elas próprias se jogam em uma aventura e lideram o protagonismo. Essa representatividade pode ser muito positiva para as meninas que hoje assistem a essas animações pois, como todas as crianças, se inspiram e, se sentindo representadas, preparamos uma geração com o espírito da liberdade e autonomia dessas personagens.

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Frame da série Diário de Pilar (2020), que a Mono co-produziu com o canal NatGeo Kids inspirado base nas obras da autora Flavia Lins.

O Impacto da Mudança

Por mais que muitas mudanças positivas estejam ocorrendo, ainda temos muito a conquistar nesse mercado, principalmente nos setores de Direção Criativa e VFX, que ainda carecem da participação feminina mundialmente, e também nos salários, que em muitas empresas ao redor do mundo continuam desiguais por gênero e raça.

O mundo digital trouxe oportunidades para aqueles que foram forçados a ficar de fora do nicho artístico e audiovisual, ao tornar acessível conteúdos, ferramentas e exposição. Hoje, as mulheres tanto querem como podem estudar para o mercado da animação, sendo muitas delas alunas de professoras ativas no mercado e incluídas no processo de produção e criação. Festivais internacionais dedicadas à divulgação e premiação de animações lideradas e produzidas por mulheres, como é o caso do festival austríco Triky Woman, que acontece todo ano no mês de março. Em solo nacional, também existem editais que oferecem cotas à mulheres pretas, de periferia e mulheres da comunidade LGBTQI +. 

Esses incentivos são consideradas importantes formas de reparação histórica, uma vez que, visto que as mulheres já enfrentam essas dificuldades há muitas gerações, o prejuízo praticamente triplica para essas comunidades, advindas de problemas estruturais da nossa sociedade. É uma das maneiras de trazer destaque para pessoas que foram apagadas historicamente.

A ascensão da participação feminina no mercado, mostrou com muita clareza como o equilíbrio de gênero agrega positivamente nas produções. Essa gradual inclusão não se resumiu apenas às mulheres, ela também trouxe visibilidade para demais comunidades e grupos sociais historicamente excluídos. Uma abertura para a igualdade de gênero abre portas para o crescimento e descobertas de novos horizontes vindos de perspectivas que merecem ser mostradas.