Stop Motion – Como Guillermo del Toro transformou Pinóquio com a técnica
Distribuído pela Netflix em Nov/2022, Pinóquio por Guillermo del Toro se provou um filme envolvente, lindo - apesar de sombrio - e comovente, não só pela narrativa em si, mas também pelo contexto e técnica envolvidos na realização desse filme.
O olhar de Guillermo del Toro deu uma nova perspectiva sobre a obra, de forma original e criativa.
Admirados pelo longa metragem que encantou o público e crítica, fizemos uma pesquisa sobre o tema e buscamos entender o porquê do filme ser tão aclamado. Responsável por garantir muitas indicações e vitórias em festivais internacionais como Critcs’ Choice Awards e Globo de Ouro como Melhor Filme de Animação (até então), o filme é realizado em stop motion e buscamos entender como a técnica torna essa versão uma das adaptações mais poderosas já representadas sobre o Pinóquio.
No filme, seguimos a jornada da redenção de Gepeto que – após perder o primogênito – constrói um boneco de madeira e o rejeita como filho – quando este ganha vida. A partir deste contexto, acompanhamos as aventuras do boneco feito de madeira de pinheiro italiano, que foi animado graças a um espírito como uma dádiva e maldição.
A vida e a morte são palco da discussão ao abordar a imortalidade de um boneco de madeira, em meio a todos os outros seres vivos que são passageiros, abrindo caminho para o amadurecimento do mundo ao seu redor. O melhor disso tudo é que dar vida a objetos inanimados e fantoches de madeira – esculpidos e talhados por Gepeto – têm tudo a ver com a técnica de animação utilizada em sua produção, que intensifica o sentido de dar alma ao “sem vida”.
Guillermo del Toro é um diretor que tem uma paixão especial por Pinóquio. Sua mãe já o deu vários bonecos do personagem de presente e o incentivava a criar um filme sobre o conto de Collodi, ainda quando produzia filmes em Super 8. Além disso, o cineasta se identificava bastante com o protagonista por ser um garoto que não se encaixava e se recusava a ser um bom menino.
Como somos uma produtora de animação, entendemos a importância de trazer valores próprios do artista para a obra se tornar verossímil. Quanto mais forte for a identificação com o sentimento que se tem representado na obra, mais o público será capaz de também se reconhecer.
O cineasta adaptou a obra ao contexto do regime político fascista italiano, o que deu o tom sombrio adotado pelo filme, que o diferencia das outras produzidas – a clássica adaptação da Disney, por exemplo, traz um foco maior na busca do protagonista em ser uma criança de verdade. Já o filme de del Toro tem uma mudança de perspectiva importante também.
A relação pai e filho é o que conduz o filme, trazendo mais importância ao personagem Gepeto, pai do protagonista. Todas as outras relações entre personagens são guiadas por esse fio, como a rejeição de uma criança por não ser aquilo que o pai espera.
Ao invés de só mostrar a saga de Pinóquio para virar um menino de verdade, del Toro traz à tona: Por que Pinóquio quer ser um menino de verdade? Para agradar ao pai, para que possa receber o amor que Gepeto se recusa a oferecer. Sentimentos fortes que expressam a beleza na monstruosidade, marca registrada do diretor.
Tecnicamente, o Pinoquio de Del Toro também traz uma adaptação original em stop motion, que possui diferenças significativas frente à animação digital.
No começo, o stop motion tinha o padrão moiré, o brilho dos pelos, do tecido e até a poeira atmosférica dos sets. Tudo isso gerava uma imperfeição linda de se ver, porque mostrava como o filme era feito. E eu queria muito que este filme transmitisse a expressividade e a essência material de uma animação feita à mão, [...] algo esculpido, entalhado e pintado, mas com a sofisticação do movimento que nosso estudo sobre mecânica e marionetes nos permitiu alcançar. - disse Del Toro em conteúdo promocional da Netflix.
O stop motion é uma técnica de animação que consiste no registro fotográfico sequencial de objetos inanimados e, a partir da diferença de posição entre os elementos, é possível traduzir a rápida exibição das fotografias como movimento. Assim, a sequência de imagens criam um universo complexo, vivo e recheado de texturas.
Geralmente no stop motion são montados diversos fantoches em diversas poses, tamanhos e centenas de expressões, para que sejam trocadas a cada cena. Esse processo de troca de poses e articulações, ditam muito do tempo da produção e qualidade da obra. Muitas vezes os cenários, itens e personagens são produzidos artesanalmente, com argila, madeira, arames, tecidos, plástico e muitos outros materiais.
No caso do filme em questão, alguns fantoches (ou ‘puppets’) têm em sua estrutura um sistema que funciona como um esqueleto, que permite os animadores moverem partes do corpo de alguns personagens diretamente, sem precisar remover peças e substituir por outras. O diferencial nessa obra é que isso foi realizado para representar mudanças nas expressões faciais. Uma vez que possuem esse sistema mecânico em funcionamento, os personagens humanos são revestidos de uma “pele de silicone” para incorporar o design.
O puppet do protagonista é construído de uma forma diferente. Por ser um personagem de madeira no universo do conto, ele foi feito para ser animado exclusivamente através do sistema de substituição de peças. Além disso, foi o primeiro boneco do filme a ser impresso em 3D – reforçando o apoio da tecnologia na concepção de uma técnica tão artesanal.
O público infantil pode achar o filme um pouco assustador devido aos elementos de design: o menino de madeira pouco se parece com uma criança de verdade e possui diversas assimetrias em seu corpo; a fotografia e sentimentos intensos do filme, como podemos ver na própria sequência de construção do Pinóquio. Nela, Gepeto está bêbado, frustrado e em luto, serrando, lixando e esculpindo seu mais novo boneco sob condições tempestuosas, lembrando a clássica interpretação da criação de Frankenstein.
Para o público adulto, apesar de parecer trazer gatilhos, é também otimista e traz lindas mensagens sobre essa relação pai e filho. Pinóquio é sempre alegre e traz um otimismo quase cego, inocente e jovial sobre seu universo apesar de tantas tragédias. Além dessa relação, também traz reflexões sobre vida e morte, nos incentivando a valorizar o belo presente que temos, que é estar vivo.
Mensagens fortes que podem fazer o público mais adulto se emocionar. Assim como é tendência nos filmes mais recentes como Soul, Divertidamente e Viva – A Vida É uma Festa. O que vemos é também um amadurecimento do público infantil que, vivendo na sociedade de informação, consegue compreender questões mais existenciais. Confira a reflexão que fizemos sobre isso no filme Soul.
Por isso, reparamos que, quanto mais fortes, sinceros e verdadeiros são os sentimentos apresentados pela obra, mais verossímil se torna e mais o público se identifica. Seja um curta, longa ou até mesmo publicidade.
Voltando para a técnica, o stop motion tem características únicas e uma forma especial de se fazer que pode levar muito tempo para a produção, por isso é pouco utilizado na publicidade. Para campanhas maiores e recorrentes, como as de final de ano, pode ser uma ótima utilização para mostrar o mesmo cuidado do stop motion em relação ao cuidado da marca com seus clientes. A mesma atenção nos detalhes que a técnica exige, é a mesma que trabalhamos no dia a dia para oferecer o nosso melhor.
Por outro lado, existem também técnicas de animação digital 3D que simulam o stop motion, a animação mais “travadinha” (ou “steppada”) e o realismo das texturas. No projeto que realizamos para a Arno, por exemplo, criamos a personagem 3D estilo stop motion integrada a um ambiente real, filmado por uma câmera digital.
A animação de 30’’, publicitária, mostra a personagem como se tivesse sido feita e animada no nosso mundo real. Para o AACD, realizamos um projeto beneficente junto à agência AKQA que também simula stop motion pelo 3D, com um visual cartoon que deixasse a obra mais emocionante.
Independentemente da técnica, uma obra é, muitas vezes, a personalização de um sentimento, a construção de uma ideia. Cada técnica é uma linguagem, com suas próprias características, repetições e inovações. Dominar cada técnica é um processo que necessita muito estudo e que recompensa com lindas obras que expressam sensações capazes de tocar todos os públicos. Somos apaixonados!
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